Estamos em rede, interconectados
com um número cada vez maior de pontos e com uma freqüência que si faz
crescer. A partir disso, torna-se claro que podemos compreender muito
melhor a atividades de uma coletividade, a forma como comportamentos e
ideas se propagam, o modo como noticias afluem de um ponto a outro do
planeta etc.
Decisões individuais e coletivas parecem estar chamando a atenção não apenas dos interessados de sempre – os que trabalham com marketing – mas também dos estudiosos de redes sociais, dos sociólogos, antropólogos do virtual, dos ciberteóricos, dos especialistas em gestão do conhecimento e da informação, enfim, de todos aqueles que pressentem que há algo de novo a ser investigado, que a interação coletiva pode ser compreendida dentro de uma nova lógica.
O fato de estarmos cada vez mais interconectados uns aos outros implica que tenhamos, de algum modo, que nos confrontar com nossas próprias preferencias e sua relação com aquelas de outras pessoas. A técnica de sugestões dos agentes inteligentes, o problema da decisão ou da escolha e os riscos que isso muitas vezes implica, parecem ter como pano de fundo a negociação das preferências individuais e sua posição no coletivo. Lembrando que, via de regra, as preferências ditas "individuais" são na verdade fruto de uma autêntica construção coletiva, num jogo constante de sugestões e induções que constitui a própria dinâmica da sociedade.
E se a inteligência individual requer certas condições para fluir em cada um de nós (como, por exemplo, a saúde física, criação familiar e situação afetiva), também a inteligência coletiva deve requerer outras condições para afluir entre os indivíduos. Como sugere Pierre Lévy (2004), essas condições poderiam ser dadas pela situação do capital social, cultural e tecnológico de uma coletividade.
Nesse sentido, o potencial de interação entre os indivíduos (capital social) constituiria um dos índices de referência para se compreender a forma de propagação das idéias (capital cultural) através de uma infraestrutura de comunicação (capital tecnológico) no interior de uma comunidade, e seu conseqüente desdobramento ou não em ações coletivas inteligentes.
Devemos lembrar que as inteligências individuais parecem não se prolongar naturalmente numa inteligência coletiva. O fato de indivíduos estarem em grupo não significa que haverá entre eles uma tal sinergia de idéias que resulte numa ação conjunta.
Esses são apenas alguns dos aspectos que apontam para uma espécie de assimetria entre a
dimensão do indivíduo (com suas preferências, interesses, inteligência) e aquela do coletivo, onde os indivíduos são convocados a agir, decidir, adotar comportamentos não apenas em função de si mesmos, mas também conjuntamente.
Comunidades virtuais são lugares onde as pessoas se encontram mas são, igualmente, um meio para se atingir diversos fins (Howard Rheingold, 1993). As comunidades virtuais abrigam um grande número de profissionais que lidam diretamente com o conhecimento, o que faz delas um instrumento prático potencial.
É no horizonte do excesso de informação que encontramos as comunidades virtuais, funcionando como verdadeiros filtros humanos inteligentes. A estratégia de fornecimento e utilização de informação através do ciberespaço seria, na visão de Rheingold, uma maneira extraordinária de um grupo suficientemente grande e diversificado de indivíduos conseguir multiplicar o grau individual de seus conhecimentos.
Os agentes e filtros colaborativos tornam-se mais espertos e úteis na medida em que mais informações e indivíduos fluem através deles. Um dos raros casos conhecidos desse gênero na rede, e aliás com um sucesso extraordinário, é o do sistema operacional Linux, a melhor prova de resultados dessa autêntica espécie de mente coletiva.
Lévy, 1998, 1999, 2001 e 2002, percebe o papel das comunidades como o de filtros inteligentes que nos ajudam a lidar com o excesso de informação, mas igualmente como um mecanismo que nos abre às visões alternativas de uma cultura. "Uma rede de pessoas interessadas pelos mesmos temas é não só mais eficiente do que qualquer mecanismo de busca", diz ele, "mas sobretudo do que a intermediação cultural tradicional, que sempre filtra demais, sem conhecer no detalhe as situações e necessidades de cada um" (Lévy, 2002). Lévy está profundamente convencido, da mesma forma que Rheingold, de que uma comunidade virtual, quando ela é convenientemente organizada, representa uma importante riqueza em termos de conhecimento distribuído, de capacidade de ação e de potência cooperativa.
Steven Johnson (2001), afirma que o ciberespaço começa a nos oferecer aquilo que foi sua promessa original: alimentar uma inteligência coletiva pela conexão de todas as informações do mundo. Hoje já há algo inteiramente novo, uma espécie de segunda onda da revolução interativa que a computação desencadeou: um modelo de interatividade baseado na comunidade, na colaboração muitos-muitos" (Johnson, 2001).
A segunda maneira de se interpretar uma inteligência coletiva é entender uma comunidade virtual como um excelente filtro inteligente que pode ser consultado por qualquer um a qualquer momento. Aqui se encontra a idéia de compartilhamento de recursos, conhecimentos, informações etc. E da mesma forma que no gênero anterior de mente coletiva, aqui também conta o grau de reciprocidade na rede, a capacidade de interação de cada um (capital social) e a fluidez permitida pela infraestrutura de comunicação (capital tecnológico).
Haveria ainda um outro aspecto importante a ser ressaltado, que é o capital cultural de uma coletividade. Entende-se por capital cultural o ecossistema de idéias que alimenta os indivíduos e o coletivo, e que permite que o capital social possa se incrementar e que os limiares de inovação possam ser vencidos. Ele se traduz como a memória cultural de uma população, incluindo museus, redes de bibliotecas, editoras, arquivos, centros de documentação e toda instituição que colabore nesse processo de registro.
O papel fundamental das hipermídias, no caso dos estudos sobre inteligência coletiva, é permitir o estudo das representações semânticas da memória de uma comunidade, reunindo tanto documentações em banco de dados quanto informações no ciberespaço. O mapeamento da rede semântica de uma população é um dos requisitos para que possamos compreender seu potencial de ação coletiva inteligente. A troca e circulação de idéias alimentam o capital cultural e também o capital social.
As diversas formas de comunidades virtuais, a estratégia P2P, as comunidades móveis, a explosão dos blogs e wikis, a recente febre do orkut são prova de que o ciberespaço constitui um fator crucial no incremento do capital social e cultural disponíveis (Rheingold 2002, Costa 2002).
Esse aspecto foi também decisivo para a elaboração do projeto da inteligência coletiva proposto por Pierre Lévy e que está inserido na vertente da cartografia baseada em softwares de rede. Lévy (2004) conceitua a inteligência coletiva como um jogo entre o capital social, cultural e técnico de uma comunidade.
Com a nova cultura do ciberespaço a assimetria indivíduo/grupo ganhou em complexidade, o que requer novas investigações dentro de uma perspectiva científica. Indivíduos devem negociar suas preferências pessoais no momento em que estão em grupo, em sociedade. Dentro do cenário atual da ciber sociedade, é que será possível desenvolver modelos que possam nos explicar de que forma se dá essa negociação e de que maneira seria possível interferir em seu jogo.
Autores Citados:
Howard Rheingold, "Mobile Virtual Communities". Em: www.rheingold.com, 09/07/2001.
Howard Rheingold, Smart mobs: the next social revolution, Perseus, 2002.
Pierre Lévy, Cyberdémocratie. Paris: Odile Jacob, 2002.
Pierre Lévy, A Inteligência Coletiva. São Paulo: Loyola, 1998.
Pierre Lévy, Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
Pierre Lévy, A Conexão Planetária: o mercado, o ciberespaço, a consciência. São Paulo: Editora 34, 2001.
Pierre Lévy, www.collectiveintelligence.info/documents, 2004.
Rogério da Costa, A Cultura Digital, Publifolha, 2002.
Steven Johnson, Emergence: the connected lives of ants, brains, cities, and software. Nova Iorque: Scribner, 2001.
http://www.comunidade.sebrae.com.br/orientador_emp/Cafe+com+Letras/37139.aspx
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